Câncer das favelas, por Bruno Peron

As favelas e os desafios socioeconômicos que elas têm no Brasil
JBO/Maurício Maron

O Brasil é afamado mundialmente por causa de suas praias, suas mulheres e seu futebol. É normal que estereótipos viajem o mundo mais que outras características que gostaríamos que estrangeiros soubessem de brasileiros (como a generosidade e a hospitalidade). Nossa reputação no exterior não acaba aí. Estrangeiros discutem muito (talvez mais que nós fazemos) a formação de favelas e os desafios socioeconômicos que elas têm neste país.

Favelas não constituem apenas um ambiente de exclusão onde grupos de rejeitados pelo sistema vivem. Já nem sei se são mais minoria. Tudo indica que se tornam maioria. Favelas possuem organização – geralmente se nomeiam como “comunidades” – e aproximam-se de tal forma de bairros nobres que suas fronteiras renderiam análises antropológicas interessantes. Basta ver como moradores de São Conrado trocam olhares com os da Rocinha no Rio de Janeiro. E como uma cidade existe dentro de favelas, como enxerguei em Salvador enquanto chegava a esta cidade de ônibus.

Faço, neste texto, o diagnóstico de que favelas são um câncer.

Em termos biológicos, a reprodução irregular de células do corpo humano causa problemas e, se não for tratada a tempo, poderá matar o organismo. A quimioterapia resolve alguns casos benignos, ainda que o corpo sinta o efeito do tratamento (por exemplo com queda de cabelos). No entanto, a evolução maligna corrompe toda a estrutura do ser enfermo e leva-o ao falecimento.

Em termos sociais, favelas também podem ser comparadas a um câncer porque elas são prejudiciais ao organismo. Explico. Fundamentalmente, o incluído depende do excluído. A sociedade é um todo articulado, orgânico, em que cada órgão social ocupa uma função no corpo que caracteriza a cidade e o país. Sendo assim, favelas poderão matar todo o organismo se sua origem não for tratada a tempo com sessões de quimioterapia social.

Esse ponto é essencial neste texto. Ninguém está satisfeito com a existência de favelas (nem quem mora nelas nem quem tem condições melhores de vida) porque a elas se associam problemas sociais vários. Elas precisam de cura. Caso contrário, o câncer ficará maligno e quimioterapia nenhuma será suficiente para reequilibrar as funções vitais das cidades brasileiras.

Lamento por reconhecer que esse câncer das favelas já está maligno em muitas cidades brasileiras. Famílias e gestores públicos perdem a chance de resolver o problema desde o início e em sua essência porque não se organizam bem. Deixam que tal problema se transforme numa fórmula complexa onde a culpa cai sobre o sistema. Falta, por exemplo, vontade educadora e visão conjuntural que sanem a fonte de expansão de favelas.

Estas carências e outros problemas como a corrupção, o egoísmo e a negligência resultam em explicações tão simples e infrutíferas da existência e da expansão de favelas no Brasil quanto as de que o problema é étnico e policial. Como consequência, o governo cria cotas para que algumas centenas de pessoas subam dez degraus num salto único em vez de caminhar gradualmente, e aumenta investimentos em segurança pública.

A ideia de muitos gestores públicos é de que as forças policiais têm que reprimir. Seus agentes dão voltas pelas cidades com os braços para fora de seus camburões e fazendo caras ferinas para amedrontar a população em vez de servi-la. Favelas são, para eles, um local sórdido de traficantes que formam um “Estado paralelo” e nele instalam suas organizações criminosas. Portanto, esses servidores públicos perdem a oportunidade de instruir, educar, transformar e orientar moradores de favelas, em parte como as Unidades de Polícia Pacificadora tentam fazer no estado do Rio de Janeiro.

Poucos políticos propõem uma revisão no modelo de gerenciamento da economia e da sociedade que o Brasil insiste em resumir a crescimento econômico alto, como seu desejo histórico de ser potência, e a “elefantes brancos”, como a construção de estádios suntuosos para jogos de futebol. Outros dispõem de tempo diminuto para falar na televisão, fundos escassos de campanha e ideias que, algumas vezes, são cômicas e impraticáveis.

Alertei, no início deste texto, sobre o risco dos estereótipos. Acrescento que, muitas vezes, eles viram passatempo de políticos sem visão de futuro, que não sabem o que é o Brasil nem têm ideia do que uma favela seja. Logo, estereótipos viram realidades. Nem mesmo moradores de favelas deixam de se entreter com os gastos públicos em estádios, luxos e outras regalias que a televisão mostra e que jamais mudarão a realidade em que nasceram.

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O autor Bruno Peron  é escritor e analista de Relações Internacionais, professor de idiomas (português e Inglês) e Voluntário de Organizações SEM Nadadeiras lucrativos.